Entrevistamos a sociologa Carol Bonomi, doutoranda pela Unicamp, autora de fios polêmicos no Twitter sobre vício em pornografia, e recentemente participou de uma entrevista no Programa do Bial, na Rede Globo, onde falou sobre seu tema de estudos, o trabalho sexual. Ela é autora do curso Diretos das Sexworkers.
Para quem é esse curso?
- Este curso é indicado para: trabalhadoras sexuais, atrizes pornô, camgirls, pesquisadores, estudantes, professores, e quem está pensando em começar a trabalhar no mercado adulto.
- Este curso também é recomendado para pessoas de outras áreas de atuação que queiram entender mais sobre o trabalho sexual em vez de simplesmente querer destruir/proibir baseados em julgamentos morais, sem argumentar de forma racional e crítica.
Diretos das Sexworkers
Carol Bonomi, fale um pouco sobre sua formação acadêmica e experiência profissional. Conta pra gente o que fez você se interessar em pesquisar sobre sexualidade.
Tenho graduação e licenciatura em Ciências Sociais, fiz mestrado em Ciência Política e doutoramento em Ciências Sociais com Ênfase nos Estudos de Gênero. Tive o privilégio de conseguir ingressar numa universidade pública, a UNICAMP, que fiz toda a minha formação. Sexualidade sempre foi uma questão que atravessou minha vida, sobretudo por ser mulher cisgênero e sabemos os impactos do sexo em nossa vida.
Propriamente os estudos sobre prostituição, começou no meu terceiro ano do ensino médio em que estudei numa instituição pública, no periodo noturno com profissionais do sexo. O compartilhamento da vida pessoal e do cotidiano sempre me causou curiosidade, sobretudo sobre a falta de direitos dessa categoria.
Carol Bonomi
As pessoas costumam classificar toda forma de prostituição numa mesma categoria, existem diferenças entre as trabalhadoras sexuais? Quais são as principais diferenças e como isso afeta nos problemas que elas enfrentam?
Geralmente, as pessoas tem a compreensão que trabalho sexual é sinônimo de prostituição. Mas sabemos que a categoria é diversa assim como os seus serviços oferecidos no mercado sexual. Temos a prostituição exercida em ruas, bares, moteis, serviço de acompanhantes, camming, strip-tease, dommes, atores e atrizes.
Durante a pesquisa, percebi que a forma que esses/as profissionais se identificam se reflete no tipo de serviço que são oferecidos. Óbvio que também há as questões do estigma que afeta na nomeação como uma forma de desvincular de atos ilegais e destacar a profissão. Os problemas são mais diversos, desde a precarização dos locais que se exerce a prostituição, falta de leis que resguardem a segurança e bem estar das trabalhadoras, segurança na rede, ofensas, violências simbolicas, verbal, fisica e ate mesmo, patrimonial.
Em que momento está a discussão sobre a regulamenação da prostituição no Brasil, e como o legislativo que toma posse a partir de 2023 por impactar nessa discussão?
A discussão sobre a regulamentação sempre foi uma pauta do movimento brasileiro de prostitutas. Movimento que se consolidou no final dos anos 1970 denunciando violência policial e pelo reconhecimento profissional da categoria. Já houveram diversas tentativas de aprovar um modelo de regulamentação. Desde do modelo frances, que tem como objetivo regular os corpos das profissionais via o controle sanitário, até o modelo alemão que visa despenalizar as casas de prostituição.
A PL proposta foi pelo ex-deputado federal Fernando Gabeira e depois, em 2012, pelo ex-deputado federal Jean Wyllys. Ambos os projetos foram escritos em parceria com o movimento. Na redação das PL focou-se na despenalização das casas e conceitualizar o termo “exploração sexual” que é definido pelo Código Penal brasileiro. Isso impacta de forma geral a categoria, pois a profissão, apesar de ser reconhecida pela Classificação Brasileira de Ocupação, ainda é ligada a práticas ilegais e ilícitas, causando muito estigma e criminalização da atividade. O atual legislativo, ainda mais conservador que o anterior, tende a criminalizar todas as sexualidades. Direitos sexuais e reprodutivos estão na mira desse congresso em uma agenda anti-gênero que irá prejudicar a todes.
Como a tecnologia e as redes sociais impactaram no exercício da prostituição e no trabalho sexual em geral? É possível citar aspectos positivos e negativos desse impacto?
A tecnologia e as redes sociais não é de hoje que é uma forma de exercer o trabalho sexual. Em momentos de crise financeira, das relações de trabalho e previdenciária, trabalhos mais informais e flexíveis se tornam uma forma de gerar renda, seja fixa ou extra, para muitas pessoas. Assim como outros trabalhos, durante a pesquisa venho analisando que o trabalho sexual não foi diferente. Além do ingresso de muitas pessoas no trabalho do camming, trabalhadores que antes faziam o trabalho presencial, vem exercendo mais de um serviço, abrangendo camming, packs, filmes.
O que me leva a crer num processo mais profundo de precarização, dado a baixa procura de clientes, crise financeira. Alem disso, temos o fenômeno de mulheres e homens que já possuem um emprego formal e complementam a renda com o trabalho sexual. O aspecto positivo, podemos pensar numa segurança que a internet proporciona para as pessoas exercerem o trabalho em um ambiente seguro. Contudo, a segurança cibernética também é uma discussão, que envolve os valores das plataformas, ou pessoas que exercem mais de forma autônoma sem a mediação das plataformas, como criam mecanismos de segurança doméstica para combater perfis fakes e a cópia do seu trabalho. Além disso, a discussão foi mais amplamente difundida nas redes sociais. Diversas pessoas usam de pânico morais, tais como exploração de crianças e adolescentes, pedofilia e etc, para produzir conteudos que provocam espaços de odios contra trabalhadores. A discussão de direitos sexuais ainda tem que avançar.
Como funciona uma ONG que dá apoio para prostitutas? Que tipo de atividades essas ONGs promovem e como as pessoas podem contribuir com essas entidades?
As associações de prostitutas são ONGs que são coordenadas e gestadas por prostitutas. Desenvolvem ações de prevenção, discussão de direitos e fornecem apoio jurídico à categoria. De modo geral, as associações são dependentes de projetos sociais que são divulgados via editais públicos. Há um tempo, as associações vêm discutindo formas alternativas para levantar a renda das instituições para que não fiquem tão dependentes desses editais. dado a gestão Bolsonaro, os editais caíram tragicamente. Isso impactou nas ações de prevenção à saúde sexual e na expansão das associações nos seus estados. As pessoas podem contribuir com doações, divulgação das redes sociais, convidar as profissionais para consultorias e etc.
Diretos das Sexworkers
Você tem um curso sobre direito para sexworkers (Diretos das Sexworkers), pode falar um pouco sobre esse curso e quem pode se beneficiar com ele?
Isso, em parceria com o pessoal da Rati criamos um curso sobre direitos para sexworkers. A partir do meu perfil do twitter em que escrevo sobre trabalho sexual, era recorrente diversas mensagens de profissionais tirando dúvidas sobre seus direitos. Reuni os dados de pesquisas com a minha atuação nas associações para abordar os principais pontos sobre o direito das sexworkers como forma de auxiliar essa categoria. Além de estimular a luta coletiva. Sempre falo que se hoje podemos falar em direitos para sexwokers foi porque mulheres se uniram para lutar em prol de uma categoria. Então foi uma forma de ampliar e ajudar nessa luta.
Na sua conta de twitter você já fez alguns fios bem polêmicos sobre vício em pornografia. Como você acredita que seja possível ter uma relação saudável com pornografia ou o vício sempre vai acometer os consumidores?
A discussão sobre vicio e pornografia vem crescendo nas redes. O vício é uma categoria histórica, médica que pode variar com o tempo e o espaço. Não sou médica, mas convido as pessoas refletiram sobre suas práticas sexuais, sobretudo como se deu a inserção da sua educação sexual para problematizar o auto diagnostico do vício em pornografia. Aponto como sexualidade sempre foi algo condenado e como está a discussão atual sobre o tema.
Mais do isso, tento abrir um diálogo para que as pessoas se questionem sobre práticas sexuais, sobretudo o que é consentimento. Falar em vicio em pornografia se transformou em mais um panico moral que envolve criminalizar socialmente a categoria de trabalhadores. Além de ser um instrumento para impulsionar políticas antisexo e antigenero. Então, convido as pessoas a refletirem sobre os impactos sociais e políticos sobre o tema. Óbvio, sempre oriento a procurarem profissionais que não condenem, mas dialoguem de forma mais saudavel sobre preferencias sexuais. Pois sabemos o crescimento de profissionais da psi a favor de práticas terapêuticas ilegais como cura gay.
Trabalho sexual
Que organizações você indica para que pessoas que trabalham com sexo possam conhecer e buscar seus direitos?
Sempre oriento as sexworkers a recorrerem às associações de suas regiões. Praticamente, em cada estado existe uma associação. As ativistas têm um amplo conhecimento em direito e orientam diversos casos de violação de direitos.
Pra terminar, diz como as pessoas podem acessar o seu curso e diz o que você diria para alguém que está pensando em começar com algum tipo de trabalho sexual no Brasil hoje.
Meu curso ficará disponível na plataforma Rati, com valor especial para sexworkers. Sempre oriento as pessoas buscarem uma rede de apoio, conhecer seus direitos, dialogar com profissionais da área, sobretudo, compreender que esse ofício não é crime. Trabalho sexual é trabalho.
Para quem é esse curso?
- Este curso é indicado para: trabalhadoras sexuais, atrizes pornô, camgirls, pesquisadores, estudantes, professores, e quem está pensando em começar a trabalhar no mercado adulto.
- Este curso também é recomendado para pessoas de outras áreas de atuação que queiram entender mais sobre o trabalho sexual em vez de simplesmente querer destruir/proibir baseados em julgamentos morais, sem argumentar de forma racional e crítica.
tags: direitos das sexworkes, trabalho sexual.